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A falta da visão, sentido que representa cerca de 87% das
informações que são absorvidas no nosso dia a dia, cria
grandes mudanças no modo de se entender e perceber o mundo.
Numa cidade gerada para atender pessoas ditas “normais”, pouco
se consegue oferecer de eficaz para as necessidades dos cegos
ou parcialmente deficientes. Como uma pessoa saberá onde está
ou para onde vai, com certeza, se toda a sinalização da cidade
está voltada para os que vêem?
A dependência dos deficientes visuais em relação às pessoas
que vêem é tão grande ou maior se comparado aos demais
deficientes físicos, pois desde o momento em que sai de casa
ele se encontra em um ambiente que não fora em nada pensado
para ele. Tudo é escrito, colorido, pouco é texturizado, em
Braille, sonoro, em relevo. A imagem mental das calçadas é
formada pelos limites entre o som dos carros e o toque da
bengala nos muros. Já os cruzamentos movimentados são
intransponíveis sem o auxílio dos que enxergam.
A tensão imposta àqueles que vivem num mundo projetado para
outros torna qualquer ato simples como ir a padaria uma nova
aventura, pois a sua realidade de mundo estará sendo formada
pelo tato, sensações de calor e frio sentidas na pele, relevos
sentidos pelas solas dos pés, o toque da bengala-guia e pelo
pouco de visão restante de alguns parcialmente debilitados
(cores e formas contrastantes com o entorno) e ainda pelos
sons existentes (carros, pássaros, ruído de folhas e “sombras”
sonoras). A falta de uma constância nesses elementos cria
novas imagens mentais a serem desvendadas a cada saída para
passeio, ainda que seja para uma simples padaria.
O deficiente visual tem um campo de apreensão da realidade do
entorno menor que a das pessoas que vêem, pois a visão
possibilita perceber o que acontece a uma distância maior e
permite antecipar com alguma segurança os eventos que ocorrem
durante o seu trajeto. Já os cegos têm o campo de percepção
muito reduzido e suas respostas ao meio tem que ser muito mais
rápidas, o que cria uma tensão constante e um desgaste mental
muito grande

figura 1 - diferenças de tempo
de resposta ao estimulo durante o trajeto
Tendo-se isso em mente, podemos tomar como diretriz de projeto
as questões psicológicas do trânsito pela cidade. Além das
próprias dificuldades físicas encontradas tanto na sua casa
como nas ruas, quer sejam a ergonomia dos equipamentos, o
posicionamento destes, os buracos, a inexistência de rampas de
acesso, o tráfego, os deficientes físicos (em geral) têm que
lidar com vários outros aspectos que dizem respeito a
problemas que terá ou poderá enfrentar no seu percurso para
qualquer lugar:
Será que vai chover? E se chover, aonde vou me abrigar?
Se eu me cansar no meio do caminho, vou ter onde descansar?
Haverá alguém no ponto de ônibus para me dizer qual estará
passando?
E se eu estiver com sede, ou precisar ir ao banheiro enquanto
eu estiver na rua?
Além disso, as questões familiares também têm um peso
psicológico enorme na vida dos cegos. Sua dependência para a
locomoção pela cidade atrapalha na retomada da sua
auto-estima. Possibilitar a independência é fator chave para a
evolução no processo.
(1 OKAMOTO, Jun. Percepção ambiental e comportamento. São
Paulo. Plêiade, 1996. pág. 89)
Na cidade, praticamente nada existe direcionado para os
deficientes visuais, exceto elementos pontuais, como o
treinamento dos funcionários do Metrô (eficaz e cortês) e
alguns textos escritos em Braille como a numeração de alguns
elevadores e algumas placas em lanchonetes com explicações
sobre alguns dos seus produtos.
No entanto, o que se percebe é
que o que existe para tentar facilitar a vida dos deficientes
visuais na cidade está restrito a poucos edifícios e só na sua
parte interna. E esses problemas não solucionam o problema da
chegada ao próprio edifício. E ainda assim, o pouco existente
na maior parte das vezes ou não é eficaz ou é isolado de uma
proposta integradora.
A integração de propostas é o objetivo do projeto. É permitir
que os sistemas pontuais funcionem a partir do momento em que
os cegos possam chegar até ele e mesmo que possam se evitar
atitudes desnecessárias ou ineficazes para o simples
cumprimento de uma lei ou para demonstrar sensibilidade a
essas necessidades. O que se procura é eficácia, não somente o
cumprimento de legislações. E, a partir da real eficácia, se
alterar a legislação vigente.
O sistema procura oferecer segurança e independência aos
cegos. Desenvolvido a partir de elementos sonoros e táteis,
além de aproveitar um pouco da capacidade reduzida de visão de
alguns parcialmente debilitados, o sistema procura utilizar
elementos mais simples para a transmissão de informações.
Elementos básicos do
sistema:
Subsistema tátil:
O subsistema tátil compreende elementos com informações
captadas pela sola dos pés, através de sistema de piso já em
uso, mas com algumas modificações. Também compreende textos
complementares localizados no mobiliário urbano que colocam
informações necessárias durante o trajeto
1. sistema de piso:
elementos em cerâmica com signos em relevo

fig. 2 – diferentes informações contidas nos 3 relevos dos
pisos
2. sistema de leitura Braille:
informações complementares transmitidas por textos em Braille
e localizados nos mobiliários urbanos (caixa de correio,
telefones, lixeiras, etc).
3. sistema de diferenciação
formal do mobiliário urbano:
percepção do mobiliário próximo através da diferença formal
captada pelo toque das mãos

fig. 3 – relações de volumes diferenciados permitem o fácil
reconhecimento do mobiliário tocado.
Subsistema sonoro:
O subsistema sonoro é utilizado para propiciar segurança
durante a travessia de ruas e avenidas.
4. Elementos sonoros para
auxílio à travessia de ruas e avenidas

fig. 4 – códigos sonoros permitem segurança na travessia
de ruas e avenidas
Subsistema visual:
O subsistema sonoro auxilia na orientação para os que
conseguem perceber, visualmente, contrastes de volumetria e de
cor com o percentual restante da visão.
5. Relações de forma
(diferenciação de volumes) e cor (contrastes com o entorno) do
mobiliário urbano para visualização pelos parcialmente
debilitados

fig. 5 – relações formais permitem que sejam percebidas
diferenças
visuais entre os mobiliários por contraste de cor
e diferenciação de volume e formas
Subsistema de Transporte:
O subsistema de transporte possibilita reconhecer e antecipar
a chegada das linhas de ônibus aos pontos onde eles se
encontram.
6. Sistema de radiofreqüência
(tecnologia já desenvolvida no mercado) para informação sobre
o código da linha que se aproxima do ponto de ônibus.

fig. 6 – o sistema de radiofreqüência permite prever a chegada
da linha escolhida pelo usuário e avisar para a parada junto
ao ponto.
A intenção da proposta é
possibilitar a menor utilização de recursos para a maior
abrangência dos equipamentos urbanos básicos (hospitais,
centros de cultura, parques, sistemas de transporte etc). Para
isso, utilizando-se do sistema de metrô já existente (que já
possui treinamento de funcionários para o atendimento de
deficientes visuais), o sistema teria uma abrangência muito
maior dos equipamentos urbanos. Assim, com pequenos
deslocamentos a partir das estações de metrô, seria possível
atingir pessoas de localidades diferentes da cidade.
As bases dos subsistemas de piso e sonoro são relativamente
conhecidas. E o sistema de radiofrequência para ônibus já
estava sendo estudado. No entanto, a proposta procura a
integração dos códigos e possibilita uma sistemática única,
íntegra, com códigos de fácil compreensão e utilização pelos
usuários.
Os elementos apresentados não estão com as informações sobre
dimensões, cores aplicáveis, posicionamento dos equipamentos e
regras de pisos. São assuntos mais extensos e que também devem
ser discutidos, caso a caso, para a manutenção da relação
entre os componentes do sistema.
O sistema possibilitaria também a implantação por localidades,
acompanhando as estações de metrô. Efetuando-se a implantação
de uma, passar-se-ia para a outra, e assim por diante.
Desse modo, os pequenos elementos já implantados em algumas
localidades, como as placas em Braille, os números em
elevadores, etc.. teriam sua eficácia percebida, a partir do
momento em que seus usuários poderiam chegar até eles, de
forma autônoma.
No entanto, esses projetos internos às edificações teriam que
ser repensados para que tenham real eficiência no atendimento
das pessoas, já que muitas vezes a sua implantação se vê
relacionada mais com um cumprimento de legislação ou
valorização de marketing social das instituições. Afinal, quem
precisaria fazer a leitura Braille dos ingredientes dos
sanduíches nas lanchonetes de fast-food se os atendentes falam
todos eles em 5 segundos? É mais prático perguntar
diretamente, sem a necessidade das plaquinhas . As
necessidades devem ser atendidas sem criar caminhos paralelos
ou excludentes.
O treinamento e o conhecimento das pessoas sobre a codificação
do sistema e as reais necessidades dos deficientes visuais são
necessários na medida em que eles têm que ser tratados sem
isolamento, mas como parte integrante da diversidade da vida
diária.
Cria-se ai um percurso benéfico:
1- Auxilio na independência social e familiar
2- Auxilio no retorno à vida social
3- Auxilio na recuperação da auto-estima
4- Auxilio na criação de novas expectativas e perspectivas de
vida
Tese de graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo – FAU-USP - 2001
Fabio Toshio Ueno
ftueno49@yahoo.com.br
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