|

Arquiteta Sandra Perito – Doutora em
Arquitetura e Urbanismo
Diretora-Presidente do Instituto Brasil Acessível
presidente@brasilacessivel.org.br
Os progressos da medicina têm permitido que cada vez
mais pessoas tenham a vida prolongada, acarretando uma profunda
mudança no perfil demográfico da sociedade brasileira:
pessoas idosas representam, hoje, uma significativa parcela
da população. Todavia, mesmo com todo o desenvolvimento
tecnológico, dificilmente se poderá acabar com
todas as disfunções orgânicas decorrentes
do envelhecimento.
Com o avançar da idade, o tempo de permanência
e uso da habitação tornam-se cada vez mais intensos;
ao mesmo tempo, as pessoas mais velhas continuam tendo a necessidade
de participar em convívio social a que estão
habituadas. Seu isolamento, sob qualquer ótica, é
pernicioso, sendo responsável, muitas vezes, por quadros
de depressão, desesperança e dependência
facilmente verificáveis em núcleos destinados
a abrigar idosos.
O desejo máximo do brasileiro está na aquisição
da casa própria, bem maior que as pessoas almejam e,
na grande parte dos casos, o de maior valor que adquirem ao
longo da vida. Em vista disso, é o bem que requer mais
tempo e esforço para ser adquirido e, portanto, a satisfação
com esse “produto” deveria ser total. Porém,
não é assim que acontece, na grande maioria
das vezes essa aquisição é baseada no
custo, ficando os aspectos de qualidade, durabilidade, adequabilidade
e conforto relegados a segundo plano.
É característica do brasileiro considerar
a casa para a vida toda, principalmente entre os idosos, que
têm pouca opção de mudança. A idade
avançada traz consigo um vínculo muito forte
com a moradia, principalmente quando não se tem perspectiva
de aquisição de outro imóvel.
No Brasil, país com sérios problemas de distribuição
de renda, a maioria da população tem baixos
rendimentos, o que gera uma violência urbana bastante
acentuada. As classes sociais mais baixas são as maiores
vítimas dessa violência que, muitas vezes, resulta
em limitações físicas graves, principalmente
nos adolescentes e jovens adultos. Também as classes
menos favorecidas têm baixíssima mobilidade residencial
e, após a conquista da casa própria, se ela
ocorre, é nela que viverão o resto da vida,
quaisquer que sejam as circunstâncias.
As políticas nacionais de financiamento de moradia,
geralmente de longos prazos e com contratos de difícil
transferência, também influenciam na permanência
prolongada na mesma habitação, fixando os indivíduos
aos imóveis por muitos anos.
A habitação, nos moldes tradicionais, não
considera as alterações que podem ocorrer ao
longo da vida do homem, o que pode gerar um descompasso no
seu uso. Projetos habitacionais geralmente não abordam,
de forma sistemática, o uso futuro pelos moradores.
A estrutura da sociedade é um fluxo em constante
mudança. O que se espera de uma casa hoje é
diferente do que se esperava há cinqüenta anos
atrás. Atualmente as pessoas buscam maior flexibilidade
e capacidade do ambiente em adaptar-se às condições
que se alteram, como uma mudança na estrutura familiar,
uma deficiência temporária ou permanente, uma
limitação do usuário do ambiente construído.
O crescente déficit habitacional brasileiro é
uma realidade indiscutível bem como o envelhecimento
da população. É necessário que
os órgãos competentes continuem fomentando e
aprimorando soluções e leis habitacionais, mas
é também indispensável que a classe técnica
não se omita no sentido de propor soluções
adequadas, dignas e economicamente viáveis para as
moradias, considerando todo o ciclo de vida dos usuários.
Os novos programas habitacionais devem se adequar a essa nova
realidade.
Uma arquitetura inclusiva garante ambientes apropriados,
não só para idosos ou pessoas portadoras de
deficiência, mas para todos. Quando se planeja um empreendimento,
a questão do custo da construção é
inevitável.
Todavia, projetar incorporando características universais
ou adaptáveis ao conceito de projeto, desde o início,
normalmente gera pouco custo adicional à obra, por
permitir que especificidades sejam adicionadas apenas quando
necessárias. Além disso, todos os custos devem
ser considerados: econômicos, estéticos, funcionais
e humanos, além do custo social de se ignorar grande
e importante parcela da população, os baixa
renda e os idosos.
Os projetos de habitação devem caminhar em
direção a uma arquitetura universal, preocupada
com o futuro e o bem-estar do usuário, e que se adapte
às mudanças decorrentes do passar dos anos.
Se aplicadas desde projeto, a acessibilidade e a adaptabilidade
não serão escondidas e nem caras, e seus aspectos
estarão fundidos no conceito arquitetônico do
edifício.
Projetos residenciais adaptáveis, que considerem
as mudanças fisiológicas, físicas, sensoriais
e psíquicas do homem, em todas as fases da vida, produzem
boas soluções ambientais, livres de estereótipos
e capazes de aumentar a autonomia e independência do
usuário. E os arquitetos devem estar atentos à
sua responsabilidade social, propondo edificações
que considerem a diversidade humana e que garantam melhor
qualidade de vida a todas as pessoas.
|